"quando mais precisamos de amor
não há amor que nos valha.
mais vale comer um bom bife."
esta frase andou durante tempos escrita pelos meus cadernos da faculdade, e volta e meia volta-me à cabeça e continua a fazer-me sentido. foi dita por uma mulher fantástica que generosamente me deixava assistir às suas aulas. belga a viver a portugal, com um filho autista que era o seu exemplo de vida, ensinava, muito além dos clássicos da literatura inglesa e do colorido dos filmes do almodovar a que tantas vezes se referia, a simplicidade mais pura que encerra os grandes duelos que todos nós travamos no mais comezinho da nossa vida.
e a vida começa com a derrocada. a primeira coisa que fazemos é rasgar a carne da nossa mãe.
noutro tempo eu sorvia o futuro, a resposta ao insondável imprevisível, noutro tempo a minha ansiedade compelia-me a coleccionar hipóteses.
noutro tempo urgia em mim a necessidade da justificação. era vital que me ouvissem, e eu esgotava-me num chorrilho de palavras no desespero de acertar naquela que destrancava os portões fechados e permitia ao tempo voltar ao ouro.
estranho em mim neste momento a placidez do silêncio. não posso dizer que seja apatia ou cansaço. é mais a convicção de que não posso prever ou anular as reacções às acções, a aceitação tácita de que nem sempre se pode voltar a abrir aquilo que fechei à minha passagem.
do lado de fora, causa-me uma certa estranheza ver-me assim sem desespero. dói e amargura, mas olho e espero apenas que passe depressa. não sei se o desalento acumulado se sublima nesta frieza. mas de certa forma torna tudo mais fácil ou, pelo menos, menos difícil.
e depois há sempre mais para além da nossa dor umbilical.
"os amigos trazem-nos a oxigenação", dizia-me ela, a que é minha irmã, a que me vê reflectida com uma imparcialidade que eu não consigo. é verdade. antes da próxima curva comparecem ao encontro várias pessoas, e nem todas vão embarcar connosco. mas também há aquelas que chegam sem as esperarmos e nos trazem um novo alento e ar fresco para respirar. ou terra nova para semear. ou que nos abanam para nos obrigar a voar. e há aqueles abraços que nos aquecem quando acordamos com frio.
há sempre vida à nossa volta, mesmo quando tudo está em declínio. a ruptura traz o movimento que impulsiona a vida. como foi no início.
não há amor que nos valha.
mais vale comer um bom bife."
esta frase andou durante tempos escrita pelos meus cadernos da faculdade, e volta e meia volta-me à cabeça e continua a fazer-me sentido. foi dita por uma mulher fantástica que generosamente me deixava assistir às suas aulas. belga a viver a portugal, com um filho autista que era o seu exemplo de vida, ensinava, muito além dos clássicos da literatura inglesa e do colorido dos filmes do almodovar a que tantas vezes se referia, a simplicidade mais pura que encerra os grandes duelos que todos nós travamos no mais comezinho da nossa vida.
e a vida começa com a derrocada. a primeira coisa que fazemos é rasgar a carne da nossa mãe.
noutro tempo eu sorvia o futuro, a resposta ao insondável imprevisível, noutro tempo a minha ansiedade compelia-me a coleccionar hipóteses.
noutro tempo urgia em mim a necessidade da justificação. era vital que me ouvissem, e eu esgotava-me num chorrilho de palavras no desespero de acertar naquela que destrancava os portões fechados e permitia ao tempo voltar ao ouro.
estranho em mim neste momento a placidez do silêncio. não posso dizer que seja apatia ou cansaço. é mais a convicção de que não posso prever ou anular as reacções às acções, a aceitação tácita de que nem sempre se pode voltar a abrir aquilo que fechei à minha passagem.
do lado de fora, causa-me uma certa estranheza ver-me assim sem desespero. dói e amargura, mas olho e espero apenas que passe depressa. não sei se o desalento acumulado se sublima nesta frieza. mas de certa forma torna tudo mais fácil ou, pelo menos, menos difícil.
e depois há sempre mais para além da nossa dor umbilical.
"os amigos trazem-nos a oxigenação", dizia-me ela, a que é minha irmã, a que me vê reflectida com uma imparcialidade que eu não consigo. é verdade. antes da próxima curva comparecem ao encontro várias pessoas, e nem todas vão embarcar connosco. mas também há aquelas que chegam sem as esperarmos e nos trazem um novo alento e ar fresco para respirar. ou terra nova para semear. ou que nos abanam para nos obrigar a voar. e há aqueles abraços que nos aquecem quando acordamos com frio.
há sempre vida à nossa volta, mesmo quando tudo está em declínio. a ruptura traz o movimento que impulsiona a vida. como foi no início.
*francesca woodman
3 comentários:
não há só vida à nossa volta, mas também dentro de nós. e amor a pulsar... por mais que lhe queiras ser indiferente, olhando para ele como se não fosse teu.
mas claro que um bom bife vem sempre a calhar. dá-nos menos chatices que o amor, embora às vezes seja igualmente difícil de encontrar...
eu, pessoalmente, sou contra as rupturas. prefiro as metamorfoses. dos sentidos, dos sentimentos, dos significados. é mais fácil reconstruir do que construir a partir do nada.
um beijo meu. e saudades.
delicia-me ler palavras sobre a maravilhosa belga. a mim, as palavras dela que ainda hoje me ecoam na cabeça são outras: os seres humanos não têm qualidades ou defeitos, mas sim características. acho sempre bom olharmos para trás e vermos que as nossas características mudam. é sinal que estamos a aprender cada dia mais. mas isto digo eu que sou uma corrente de ar.
berta querida, a carne anda pela hora da morte! e sim, o amor vive-nos no sangue mesmo quando parece uma cicatriz roxa. mas às vezes a metamorfose, sendo mais fácil, pode ser mais dolorosa. às vezes é preciso nova matéria-prima ...
beijo para ti. é sempre um deleite ler-te.
anónima e és a minha corrente de ar predilecta! escrever sobre essa senhora é bastante redutor, como sabes, pois só quem a conheceu sabe que é uma grande Pessoa e uma grande Professora.
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