domingo, 30 de setembro de 2007

appointment







faz dez anos e, tal como hoje, era domingo e chovia. ceifei tudo o que estava atrás e abri muito o peito para ter mais espaço para o encher com o ar novo. ia construir tudo. era o primeiro dia do resto da minha vida. e quando, há dias, me disse
não há nada que te prenda a Lisboa,
foi uma pequena descarga eléctrica que me sacudiu. dez anos depois, realmente nada me prende a lisboa. semeei em diferentes lugares, laboriosamente, repetidas vezes, e julguei cuidar e regar da melhor forma e, por isto ou por aquilo, nada permaneceu. uma sucessão de slides, rostos muito díspares e circunstâncias absolutamente distintas. em comum eu, a rodar o filme para a frente. pensamos que dez anos é um peso brutal de horas. é uma década, uma bandeirinha que colocamos numa linha da nossa história. e se eu disser que não mudou nada, e se eu voltar ao sítio onde há dez anos atrás a esta hora dobrava cuidadosamente a minha roupa e a arrumava num novo lugar que seria meu por alguns meses, sei que não é verdade. hoje tudo é diferente. recriei-me como imaginava e num realismo surpreendente não me espanto ver-me ao espelho onde e quem sou agora. não exactamente pelos caminhos que adivinhava, mas mesmo assim tudo faz sentido de uma forma assombrosamente correcta. vendo o que em mim se vê, sou aquilo que queria que se visse. sou eu, sem dramatismo nem orgulho, constatação apenas.
ironicamente ou não, ontem precisei de regressar atrás para seguir em frente.
felizmente não comecei do zero. quando pensei que estava a apagar o que tinha passado em mim há dez anos atrás, tudo continuou lá. envelheceu, ganhou rugas, floresceu noutros sítios, amadureceu, mas não deixou de existir. o ar continuou a abraçar-me como abraçava a menina, a adolescente, a quase mulher. e o sangue continuou a sorrir, mesmo que as veias por onde corre estejam mais fracas e a respiração mais débil. quando quis esquecer tudo não sabia que tudo seria sempre precioso. mas mesmo assim, o meu lugar é aqui. mesmo que nenhuma das sementes que lancei tenha germinado. ainda. mas é aqui. o que me prende a lisboa é da certeza do presente a esperança de um futuro em branco. com o passado a marca d'água.



*anna gaskell

3 comentários:

sunnyg disse...

Há gente insuportável neste mundo, de facto. :P

Berta Cem Mil disse...

fica por cá, sim... aqui todos podemos ser anónimos e, ao mesmo tempo, indivíduos únicos. um pouco como na net, de resto.
pertences. e um bocadinho ao meu coração também.

Mei disse...

hobs... e palerma. do pior... ;)


berta é nesse anonimato que nos (re)encontramos e (re)conhecemos, embora por vezes tb seja apaziguante abrir sorrisos à nossa chegada. um beijo para ti, berta.